sexta-feira, 17 de julho de 2009

MEMORIAL DE LEITURA




MEMORIAL DE LEITURA

Minhas lembranças sobre leitura me remetem ao tempo anterior à entrada na escola. O ambiente de minha casa sempre foi favorável à leitura. Mais pelos materiais que circulavam que pelo hábito de ler da família. Tínhamos às mãos: livros de novena, revistas cristãs, o jornal semanal da cidade. Minha irmã escrevia livros de receita, anotava os recados de telefone para meu pai, e quando mamãe pedia para ela fazer a lista de compras eu estava junto dela. Lembro-me perfeitamente do seu ato de escrever cartas para o namorado. Eu ficava no quarto brincando e observava tudo. Também havia uma vizinha que me viu crescer, e também foi uma referência em leitura para mim. Ela me buscava em casa, e lia os seus livros do tempo de escola. Muito antigos, amarelados, eram guardados num saquinho plástico transparente. Lembro-me bem da história do bicho folharal. Eu pedia que ela repetisse, contasse outra vez. Hoje observo isso em meus alunos: gostam de ouvir a mesma história muitas vezes!
Outro fato antecessor à escola e que me marcou muito foi aos meus cinco anos de idade. O episódio do giz de cera. Meu pai era madereiro e usava giz vermelho para marcação de toras. Um dia achei um pedaço no bolso da calça, e não hesitei. Corri para o muro da varanda pintado de verde, e desenhei muitas coisas nele. Mamãe estendendo roupa e a casinha do cachorro, disso eu me lembro bem...Sentei na calçadinha e fiquei esperando meu pai chegar pra mostrar minha “arte”. Ele não ficou bravo comigo, passou a mão na minha cabeça e me levou pra dentro de casa, mandou que minha irmã comprasse lápis de cor e caderno pra mim...Mas para ela, sobrou a lavação do muro e a pintura nova. Mamãe conta que havia muitos traços, rabiscos no meio de meus desenhos, e que eu sempre contava algo sobre eles. Então, na sua simplicidade, começou a ensinar-me as primeiras letrinhas na letra cursiva. Dizia mamãe: “a letra a é uma panelinha de cabo torto, a letra e é o rabinho do porco...”. Eu achava engraçado e aprendia rápido.
Fui matriculada na Escola Básica “Professor Mário de Oliveira Goeldner”, em Mafra, aos seis anos de idade, em 1976, porque havia vaga em uma turma. A idade mínima exigida era 7 anos completos até o mês de julho e eu faço aniversário em agosto. Portanto não poderia ter entrado antes, mesmo porque naquela escola pública e próxima de minha casa, não havia pré-escola. Já sabia o alfabeto cursivo, maiúsculo e minúsculo, quando entrei na primeira série. A minha primeira cartilha chamava-se “Caminho Suave”. Adorava a menininha Estela, personagem do livro. Sinceramente, como me alfabetizei não sei. Naquele ano, tive hepatite, fiquei dois meses sem freqüentar a escola, mas já sabia ler. Não reprovei.
Não me lembro do meu primeiro livro, mas como sou a filha caçula e uma de minhas irmãs era catequista, ela tinha muitas revistas chamadas “Família Cristã”. Eu as lia todas as noites antes de dormir. Buscava o exemplar do mês na caixa de correio e abria direto na seção de historinhas. Ah...também lia a Bíblia, porque minha irmã preparava as aulas da catequese e eu gostava quando ela falava das parábolas. Por curiosidade, eu as lia também.
Sobre livros, lembro-me muito mais de cenas acontecidas fora da escola, que me envolviam com leitura. Estávamos em férias de verão, aliás, minhas primeiras férias escolares, na praia, em Florianópolis. Meus pais e irmãos mais velhos foram conhecer as cidades de Tubarão e Criciúma. Eu fiquei com minhas primas. Quando voltaram minha mãe me deu uma coleção de livrinhos, dentre eles, estavam “Os sete cabritinhos” e “Ali Babá e os Quarenta Ladrões.” Foi a melhor lembrança daquelas férias. Mas um livro que me marcou a infância foi O Pequeno Príncipe, ganhei de presente do meu cunhado, aos 10 anos.
O Ensino Fundamental cursei na mesma escola. Recordo-me mais de minhas professoras primárias que de suas aulas. Hoje ainda trabalho com algumas delas que lecionaram pra mim nas primeiras séries. Não lembro de freqüentar a biblioteca da escola, mas sempre que eu precisava, visitava a casa da professora Rute, aposentada atualmente, e que lecionava para as quartas séries. Ela tinha muitas prateleiras recheadas de livros e me ensinou muitas vezes, como manusear cada um deles. Em casa, sempre que chegavam vendedores de livros oferecer coleções, mamãe aguardava meu pai chegar de viagem, e na maioria das vezes, comprava livros assim. Tive coleções como a Enciclopédia do Estudante e Mini-Biblioteca da Editora Abril, adquiridas na porta de casa pelos meus pais. Não íamos a livrarias. Outra leitura marcante pra mim, de 5ª a 8ª serie foi quando minha irmã ficou noiva e seu futuro marido, trazia Revistas Veja para eu ler. Tinha nas mãos, mais essa fonte de pesquisa para realizar as tarefas escolares, motivo pelo qual, reforçava a não freqüência a biblioteca da escola, pois na mesma, não era permitido levar livros emprestados para casa, tínhamos que fazer a leitura e o trabalho lá mesmo.
Passei a ser freqüentadora de biblioteca quando fui cursar o antigo segundo grau.. A Biblioteca Pública Municipal era ao lado do Colégio Estadual “Barão de Antonina” onde estudava. Lá, fui leitora assídua, semanalmente. Todo assunto de aula era motivo para eu ir à biblioteca. Sempre tinha um livro a emprestar.
A professora Denise, de Biologia, o professor Carlos, de Física, e a professora Esther, das Didáticas e Práticas de Ensino foram os mestres que deixaram marcas de presença em minha vida de leitora. De pesquisas e leituras para confeccionar álbuns e dossiês, passei o curso de Magistério, de 1985 a 1987.
Em 1986 frequentei simultaneamente o Colégio Mafrense e o Barão de Antonina , fazendo o curso de educação geral. Nesse curso, tínhamos aulas de Literatura, nas quais, alguns livros que li marcaram minha vida: Dom Casmurro, Diva e Senhora. Autores clássicos, bom enredo, mas não me conquistaram na leitura de romances.
Ao término do ensino médio, 1987, ingressei no ano seguinte na Faculdade de Letras – Licenciatura Plena em Português/Inglês. O curso foi minha primeira opção no vestibular, mas relutei em apreciá-lo, de imediato. Disciplinas como latim e língua portuguesa, na primeira fase me deixavam angustiada. Julgava-me muito defasada em conhecimentos necessários ao bom aprendizado das disciplinas. Fui em busca de manuais clássicos de minha mãe, escritos em latim, que versavam hinos religiosos. Talvez não tenham contribuído com ênfase no meu entendimento da morfologia da língua portuguesa, mas certamente, essa busca me fez entender as raízes de nossa língua. Aprendi a gostar de latim. Sinto por ter sido apenas um semestre, noções básicas.
Creio que o curso de Magistério me favoreceu o aprendizado da técnica de fazer resumos, de fazer leitura seletiva, analítica. Essa habilidade me destacou nas atividades acadêmicas, uma vez que realizava os “trabalhos” com muita facilidade, e sempre procurava alguma complementação de leitura junto aos professores. Na disciplina de Prática de Ensino da Língua Portuguesa
montei a coletânea completa de textos selecionados pelo professor Frederico, e mantinha-me adiantada nas leituras previstas no ementário da disciplina. Com isso, aumentava meu gosto por leituras técnicas, investigativas, que exigiam maior esforço de raciocínio lógico para compreensão.
Por outro lado, ao longo do estudo das Literaturas cumpri com as leituras mínimas exigidas, com exceção da Literatura Portuguesa, onde li, por opção Os Lusíadas, uma coletânea de poemas de Antero de Quental.e alguns poemas de Fernando Pessoa. Mesmo assim, apenas o trivial para o cumprimento de créditos.
Hoje avalio que nessa minha história de leitura me faltou aprender a gostar da ficção e dos gêneros literários. Ah, se eu tivesse lido mais àquela época!
Definitivamente, acredito que o gosto e a apreciação estética da linguagem literária estão estreitamente ligados ao incentivo que recebemos de nossos professores, ao modo como nos mostram o que está escondido dentro dos enredos, na essência dos poemas, na mistura da ficção e realidade, do prazer ou do horror que a leitura nos desperta.
E nessa caminhada de estudos foi com a especialização em Língua Portuguesa e Literatura Brasileira que senti uma reviravolta de concepção do ato de ler em minha vida. Conheci o Professor Edson da Silva, Doutor em Literatura Brasileira. Com ele, aprendi a fazer análise literária, especialmente da poesia modernista à contemporânea, ou seja, de João Cabral de Mello Neto a Arnaldo Antunes e Adélia Prado.. Nessa época, em 1993, adquiri a obra Antologia da Nova Poesia Brasileira e me deliciei com os mais de quinhentos poemas selecionados. Ainda hoje utilizo a obra como referência em minhas aulas.
No exercício de melhor compreender uma obra literária, em seus vários aspectos, na Especialização, estudei autores como João Wanderlei Geraldi, Eglê Franchi e Ingedore Koch. Dessa última, “Argumentação e Linguagem” foi o livro que mais me desafiou em leitura. Reli várias vezes. E daí em diante, na área da Lingüística Textual, tornei-me auto-didata e, uma “ratazana de biblioteca” em busca de obras citadas nas referência bibliográficas dos livros que leio.. É assim que me considero leitora atualmente: autodidata. Foi assim também, que conheci a livraria do Chain, em Curitiba, garimpando livros.
Com o ingresso no Curso de Mestrado em Educação, de 1998 a 2007, fiz nova incursão nas leituras técnicas. Cheguei a ler 4 livros numa semana, a escrever um texto monográfico a cada dois meses; aprendi a dissertar, dissertando; aprendi a dialogar idéias no passeio entre autores com posicionamentos teóricos antagônicos. Aprendi leitura dinâmica com a necessidade imposta pela situação comunicativa. Aprendi, de fato, o que é encontrar sentido no ato de ler, pelo cumprimento dos objetivos da leitura e pelo prazer de pesquisar.

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